domingo, 6 de novembro de 2011

EDUCAÇÃO DO CAMPO


... Então o camponês descobre que, tendo sido capaz de transformar a terra, ele é capaz também de transformar a cultura, renasce não mais como objeto dela, mas também como sujeito da história”.
Paulo Freire


 Eu voltei e agora é pra ficar. Porque aqui, aqui é meu lugar...! Não levo muito jeito para cantar, então, o melhor é fazer aquilo que sei e que gosto. ESCREVER!
Pois é amig@s e companheir@s de viagem pelas Histórias e Memórias de uma Vida, eu voltei. Estive ausente do blog, durante o mês de outubro, porque fui convidada para fazer um trabalho muito bacana em alguns interiores do estado. Assim, fiquei um pouco atolada de trabalho, pois foi necessário planejar algumas atividades que seriam desenvolvidas nos polos de trabalho, em seguida vieram as sistematizações das ações realizadas e, por último, o que exigiu mais tempo, a escrita dos relatórios. Sim, relatórios! Um para cada polo. Quase fiquei maluca! Mas, no final, deu tudo certo! Começaremos falando um pouco desse trabalho que foi muito gratificante.
A proposta de trabalho era participar de seminários regionais, como mediadora, cujo objetivo era discutir a realidade atual da Educação do Campo no Estado da Bahia, bem como construir elementos propositivos que contribuam para a construção das Diretrizes Estaduais da Educação do Campo, visando resolver os problemas identificados. Fiquei responsável pela mediação das discussões no Grupo de Trabalho (GT1) que trazia a seguinte temática: “Infraestrutura e Recursos Pedagógicos” na Educação do Campo.
É importante ressaltar que um dos aspectos primordiais no papel do mediador é a intervenção. Imbuídos deste pensamento, procurei estar sempre atenta observando o empenho dos participantes na atividade proposta, assim como suas estratégias de resolução das situações-problemas que, por ventura, viessem a surgir para poder intervir de forma incisiva, visando provocar uma ação inquiridora, reflexiva e crítica por parte dos sujeitos envolvidos.
Assim, procurei estimular a partição dos sujeitos envolvidos através da dinamização das discussões estabelecidas e intervi nas discussões de grupo com o objetivo de garantir a qualidade das mesmas; uma vez que essas discussões precisavam ser "alimentadas" com questões que ajudassem a pensar, a refletir e a decidir.
O grupo procurou ser autêntico, expressando claramente suas ideias e opiniões. Demonstrou responsabilidade e dedicação para com a educação do campo, apesar das muitas dificuldades encontradas no dia-a-dia. A grande maioria tem a compreensão da educação do campo como prática social; prima pela universalização e democratização da educação do campo para aqueles que vivem no/do campo; buscam a construção de novas possibilidades de vida e permanência nestes territórios; lutam pelo respeito à diversidade cultural e valorização da identidade dos sujeitos do campo. Enfim, batalham pelo direito de redesenhar as funções e papéis da escola do campo, incluindo suas práticas pedagógicas, estratégias e ações que deem conta de atender as necessidades e especificidades das comunidades do campo. Isso porque acreditamos que a história nos faz, refaz e é feita por nós continuamente”, como já dizia Freire.
Seminário Regional da Educação do Campo /
Polo de Macaúbas - Bahia
Seminário Regional da Educação do Campo /
Polo de Bom Jesus da Lapa - Bahia










Seminário Regional da Educação do Campo /
Polo de Jacobina - Bahia


A educação é uma das dimensões necessárias para a transformação da sociedade, em busca de um país mais justo e igualitário. Contudo, o que vemos na educação brasileira, principalmente, no que se refere à educação do campo, é o esquecimento e o descaso. Nunca houve políticas específicas para a educação do campo. Seu atendimento se dava por meio de campanhas, projetos e políticas de compensação, desprezando as especificidades dos povos do campo, que acabavam excluídos do processo educativo.
Hoje, a educação do campo está em processo de desenvolvimento. Entretanto, esse processo acontece de forma muito lenta, marcado pelo início da história do país, que embora seja de origem notadamente agrária, jamais mencionou essa modalidade de ensino em seus textos constitucionais, até 1891.
Diante desse contexto, muitas lutas foram travadas e algumas vitórias conquistadas. Assim, a educação “que chamamos hoje de Educação do Campo, nasceu dos movimentos sociais camponeses, em contraponto à educação rural. Nasceu vinculada aos trabalhadores pobres do campo, aos trabalhadores sem-terra, sem trabalho, dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o “estado de coisas”, para aos poucos, buscar ampliar o olhar para o conjunto dos trabalhadores do campo” (CALDART, 2008). Essa história de batalha e de luta contínua pôde se observada claramente, através das vozes dos sujeitos envolvidos no processo da educação do campo, participantes do GT1.
A educação visa à construção de uma nova realidade social mediatizada pelo diálogo e, é pelo diálogo que os homens transformam o mundo e ganham significação enquanto homens. Só o diálogo abre um canal de possibilidades e oportunidades para a ação, o trabalho, a prática, a divisão de tarefas de forma combinada e em cooperação entre os pares. É num espaço assim, que o ato de mediar encontra campo para integrar a reflexão e a ação. E foi o que fizemos no Grupo de Trabalho infraestrutura e os recursos pedagógicos da educação do campo.
De acordo com as falas dos integrantes do GT, a infraestrutura precária e a falta de recursos pedagógicos que atendam as necessidades da educação do/no campo, levando em conta as suas particularidades e especificidades, é uma realidade. Segundo eles, a falta de bibliotecas e videotecas, salas de leitura, laboratórios de informática e de ciências, auditórios para apresentações de atividades pedagógicas e culturais, espaços recreativos e quadras de esportes, docentes qualificados para atuarem na educação do/no campo e infraestrutura de qualidade prejudica a aprendizagem dos educandos.
No que se refere à infraestrutura das escolas, um estudo desenvolvido pela UNESCO (2008) revela que o Brasil investe pouco nos primeiros anos do Ensino Fundamental. A pesquisa, ainda faz um alerta para a precariedade e falta de infraestrutura, sobretudo, nas escolas rurais. Segundo o estudo, no Brasil, metade dos alunos em áreas rurais frequenta salas de aula deterioradas e prédios em más condições, enquanto na área urbana esse percentual é inferior a 30%. Outro dado alarmante é que no Brasil mais de 10% dos alunos estudam em escolas que não dispõem de água potável.
Ainda em relação à infraestrutura das escolas, uma pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), revela que a infraestrutura das escolas é fator decisivo para uma aprendizagem mais significativa. O BID analisou dados de 3 mil colégios de ensino fundamental, urbanos e rurais, em 16 países da América Latina. A análise foi feita em 2006 e mostra que o desempenho dos educandos que estudam em espaços com boa infraestrutura é superior ao dos que estão em escolas precárias e sucateadas.
As discussões no GT focaram várias problemáticas, sendo essas as mais recorrentes:
<  Professores sem formação para atuar no campo, sem conhecimento sobre a acultura e os saberes da diversidade de formas de vida no campo;
<  Grandes distâncias entre casa, escola e trabalho (nucleação extracampo);
<  Falta de transporte para os alunos do Ensino Médio;
<  Currículo inadequado, baseado na visão urbanista;
<  Falta de material e orientação pedagógica condizentes com a realidade dos sujeitos que vivem no/do campo;
<  Instalações físicas precárias (muitas vezes sem condições para o desenvolvimento de práticas pedagógicas) e sem acessibilidade aos educandos com necessidades especiais;
<  Falta de bibliotecas com acervo atualizado e contextualizado, laboratórios de informática, espaços recreativos, quadras poliesportivas e etc.;
<  Ausência de mobiliário de qualidade e em número suficiente para as salas dos alunos, bem como diretoria e sala dos professores;
<  Falta de sustentabilidade financeira para custeio das ações, principalmente, das Escolas Famílias Agrícolas, entre outras. 
Outro grande problema relacionado à educação do campo é a falta de políticas públicas que atendam as necessidades dos povos do campo. Corroborando com nosso pensamento, Arroyo, Caldart e Molina (2009) destacam o seguinte: 
Um dos problemas do campo no Brasil hoje é a ausência de políticas públicas que garantam seu desenvolvimento em formatos adequados à melhoria de qualidade de vida das pessoas que ali vivem e trabalham. No contexto atual do nosso país, defender políticas específicas para o campo não significa discriminá-lo ou pretender insistir numa postura dicotômica entre rural e urbano. Ao contrario, no nosso caso, precisamos de políticas especificas para romper com o processo de discriminação, para fortalecer a identidade cultural negada aos diversos grupos que vivem no campo, e para garantir atendimento diferenciado ao que é diferente, mas que não deve ser desigual (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2009, p. 49).
Por iniciativa dos movimentos sociais, e em especial o MST, a educação do campo tem vivenciado uma série de episódios importantes, desencadeando reflexões que vem interferindo de maneira positiva, tanto na valorização e fortalecimento da identidade dos povos que vivem no campo, quanto na reestruturação do desenho didático-pedagógico que busca atender as necessidades dos sujeitos do campo, respeitando sua cultura e peculiaridades locais.
 Desde os “anos 90, os povos organizados do campo conseguem agendar na esfera pública a questão da educação do campo como uma questão de interesse nacional ou, pelo menos, se fazem ouvir como sujeitos de direito” (MEC, 2006, p. 22).
Entretanto, apesar dos avanços e das conquistas no desenvolvimento da educação do campo, muito ainda há por ser feito. A educação do campo ainda é carente de iniciativas políticas que ofereçam a sua população uma estrutura escolar e de ensino que atenda a seus anseios, necessidades e especificidades.
Dessa forma, o propósito da construção de proposições para subsidiar a construção das Diretrizes Estaduais da Educação do/no Campo é mais um passo dado rumo a uma Educação do/no Campo de qualidade, que se materializa a partir do desafio de transformar realidades, desconstruindo pré-conceitos veiculados pelo pensamento urbanista e respeitando a diversidade que se constitui das diferenças que assinalam a identidade de cada pessoa, de cada povo, tornando-os diferentes. Assim, conforme proposta da Coordenação da Educação do Campo do estado da Bahia, ao se construir proposições busca-se garantir condições favoráveis para que os povos do campo não tenham o êxodo como única alternativa e possam optar por permanecer e viver bem no campo, se esse for seu desejo.
Os sujeitos participantes do GT1 são professores de escolas situadas no campo, incluindo os anexos, extensões e escolas situadas na área urbana, mas que atendem educandos que residem no campo; coordenadores pedagógicos; gestores de escolas estaduais e municipais; monitores; técnicos administrativos; representantes de movimentos sociais e sindicais, com experiência em educação do campo entre 2 (dois) e 18 (dezoito anos), oriundos dos seguintes municípios: América Dourada, Andaraí, Bom Jesus da Lapa, Botuporã, Caculé, Caetité, Caldeirão Grande, Correntina, Gentil do Ouro, Guanambi, Ibipitanga, Lagoa Real, Macaúbas, Miguel Calmon, Morpará, Morro do Chapéu, Mundo Novo, Muquém do São Francisco, Oliveira dos Brejinhos, Ourolândia, Paramirim, Parantinga, Quixabeira, Ruy Barbosa, Santana, São Félix do Coribe e Serra do Ramalho, Utinga, Várzea do Poço e Várzea Nova.
Seminário Regional da Educação do Campo / 
Polo de Jacobina
Seminário Regional da Educação do Campo / GT "Infraestrutura 
e Recursos Pedagógicos"
Polo de Macaúbas










Seminário Regional da Educação do Campo / Apresentação 
de alunos do Colégio Luís Eduardo Magalhães
Polo de Bom Jesus da Lapa

Finalizando, quero dizer que o trabalho de mediadora “como um todo” foi muito gratificante. Tive a oportunidade de conhecer pessoas “diferentes”, com ideias diferentes, compartilhando experiências diversas onde, juntos, nos apropriamos de novos saberes.
É isso aí, galera! Até a próxima!

REFERÊNCIAS

ARROYO, M., CALDART, R. S. e MOLINA, M. C. Por uma Educação do Campo. Petrópolis: Vozes, 2009.

BID. Infraestructura Escolar y Aprendizajes en la Educación Básica Latinoamericana: Un análisis a partir del SERCE. 2006. Disponível em <http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=36201660>

BRASIL. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB n 1, de 3 de abril de 2002. BRASIL. Resolução
CNE / CEB nº 2, de 28 de Abril de 2008.

CALDART, R. S. Educação do Campo: notas para uma análise de percurso. Texto da exposição feita no minicurso sobre Educação do Campo, na 31ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, 20 e 21 de outubro de 2008.

FARIAS, H. Processo Histórico e Político da Educação do Campo no Brasil. Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural – CETEC. Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.slideshare.net/wanessad/historico-educao-do-campo-presentation>

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, São Paulo: Paz e Terra, 1997.

MEC. Cadernos Didáticos sobre Educação do Campo - 1. Educação rural. 2. Educação no campo. 3. Educação e sociedade. I. Taffarel, Celi Nelza Zülke.
II. Santos Júnior, Cláudio de Lira. III. Escobar, Micheli Ortega. IV. D’Agostini, Adriana. V. Figueiredo, Erika Suruagy Assis de. VI. Titton, Mauro. VII. Título. 2010

____. Conselho Escolar e a Educação do Campo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/cad%209.pdf>

SILVA, M. S. Educação do Campo e Desenvolvimento: uma relação construída ao longo da história. Faculdade de Educação da UnB e consultora técnica da SDT. Disponível em: <http://www.contag.org.br/imagens/f299Educacao_do_Campo_e_Desenvolvimento_Sustentavel.pdf>

UNESCO. Una mirada al interior de las escuelas primarias - Estudio comparativo realizado en el marco del proyecto de Indicadores Mundiales de Educación, Instituto de Estadística de la UNESCO: Montreal, 2008.