Minhas Histórias

Memórias dos Meus Primeiros Tempos: da infância à adolescência


“... esperança de que professor e alunos juntos
possam aprender, ensinar, inquietar-se, produzir
e juntos igualmente, resistir aos obstáculos à alegria.”

Paulo Freire


Nasci no município de Itaberaba, interior da Bahia, mas cresci nas belas terras de Amargosa, localizada a 109 km da minha terra natal. Fui para Amargosa aos 3 anos de idade e vivi a contemplar a esfuziante beleza dos seus jardins, praças e bosques até os 18 anos, quando retornei para Itaberaba, a fim de cursar a faculdade.

Aos sete anos de idade, por decisão do meu pai e da minha madrasta, fui matriculada na Escola Estadual Dom Florêncio Sisínio Vieira. Nessa escola, tive meu primeiro contato com as letras do alfabeto, aprendi a ler e a escrever e, dei início à minha longa caminhada estudantil.

Falar da minha caminhada estudantil traz-me à memória, vicissitudes da escola primária do meu tempo (1983-1986) e do tempo em que os pais não iam todos os dias levar e buscar os filhos à escola. Apenas o fazia, quando as crianças entravam para a 1ª série, no primeiro dia de aula, ou quando tinham algum assunto a tratar com o professor, ou ainda, quando por este eram chamados a participar de reuniões de pais e/ou resolver algum assunto relacionado com o aproveitamento ou comportamento dos alunos.

Recordo-me que eu fazia diariamente, a pé, o percurso casa/escola/casa chovesse ou fizesse sol. Eu morava pertinho da escola, assim, os fenômenos da natureza não se constituíam num entrave para minha ida à escola. Carregava meus livros, cadernos e o restante do material escolar com orgulho e destreza.

Brincava muito e jogava durante o recreio. Gostava de jogar pião, bolinhas de gude, baleado, amarelinha, pega-pega e uma porção de outras brincadeiras gostosas e divertidas que as crianças de hoje não brincam mais. Depois da escola, além de fazer os deveres de cada dia, brincava e ajudava minha madrasta fazendo-lhe recados, pequenas compras e pequenas tarefas ligadas aos afazeres domésticos.

Naquela época, os professores eram muito respeitados por toda a comunidade. Disciplinadores e muito exigentes eles ensinavam a ler logo nos primeiros dois anos e, a partir da 3ª série os seus alunos faziam ditados, onde todos caprichavam para não cometer erros de ortografia, mas quando isso acontecia, eles eram obrigados a escrever a palavra errada umas dúzias de vezes.

A tabuada e o abecedário (do A ao Z e do Z ao A) decoravam-se a partir da 1ª série e não mais se esqueciam durante a vida e, a partir da 3ª série aprendia-se a resolver complicados problemas matemáticos. Apesar dos métodos tradicionais, recordo-me que, na minha 2ª série não havia um único coleguinha que não soubesse ler. Meia dúzia deles possuía dificuldades de aprendizagem, mas, ainda que de forma meio atropelada, sabiam ler.

Eram passados, diariamente, atividades para fazer em casa e a sua não concretização, má execução ou uma chamada oral mal sucedida, ou até um comportamento desviante constituíam motivos suficientes para se levar uns puxões de orelhas, cascudos, reguadas, uns bons bolos de palmatória ou ficar de castigo de pé com o rosto virado para a parede durante boa parte da aula. Isso nunca aconteceu comigo, pois eu era muito disciplinada e gostava de estudar, entretanto, ficava horrorizada e muito assustada quando acontecia com um colega próximo a mim.

Os pais, naquela época, tinham absoluta confiança nos professores dos seus filhos e era prática comum ouvirmos incitações como esta: “senhor professor sempre que o meu filho desobedecer puxe-lhe as orelhas, castigue-o, pois, quero que ele seja um homem e não um analfabeto ou um ignorante como eu”.

Naqueles tempos, a vida dos alunos não era nada fácil e só passava de ano quem realmente aprendia o que era exigido pela escola, quando ao concluir a 4ª série, era sinal de que se tinha competências para saber ler, compreender e interpretar corretamente as mensagens do dia-a-dia, resolver e lidar com os números a que a vida real, familiar e social, obrigava na época.

Após concluir o primário, no início da adolescência fui para o Colégio Santa Bernadete, única instituição pública a oferecer o ensino fundamental de 5ª a 8ª série. Estudei por quatros anos e tive o privilégio de conhecer a professora Neide, uma senhora de mais ou menos 55 anos e, que fugia ao perfil do professor daquele tempo. Ela era gentil, doce, meiga e muito agradável. Com ela aprendi a aceitar e respeitar as diferenças e, suas aulas pareciam contos que nos levava a viajar através da imaginação e a vivenciar tudo aquilo que ela falava. A professora Neide foi uma das pessoas responsáveis pela minha formação e por me fazer valorizar os princípios éticos que devemos honrar por toda a vida.

Entretanto, minha passagem pelo colégio não foi um mar de rosas. Os professores eram ríspidos, rígidos e exigentes demasiadamente. Éramos condicionados a reproduzir aquele padrão de bom comportamento, o que na visão tradicionalista daqueles professores, significava ficarmos enfileirados um atrás do outro, em silêncio absoluto e sem fazer questionamento algum. Nenhum aluno tinha o atrevimento de quebrar qualquer uma dessas regras, pois incorria-se no risco de parar na sala do diretor, além da árdua tarefa de voltar à escola apenas na companhia do pai ou da mãe.

Ainda estão frescas em minha memória, atitudes como da professora de português da 7ª série que sempre muito severa e sombria, sorria apenas em momentos de dizer à classe, que havia corrigido as provas e que dos trinta e dois alunos somente quatro conseguira aprovação. Sempre estive entre os aprovados, mas para isso, incorporava a figura de “aluna perfeita” tão desejada pela maioria dos professores daquela época. Lia e re-lia, exaustivamente, os textos sinalizados para a prova com o intento de decorá-los, pois nesse tempo, não eram valorizadas as respostas advindas do entendimento e compreensão do assunto por parte dos alunos, e sim, as respostas dos livros e apostilas colocadas na íntegra, sem faltar uma palavra.

Assim, apesar das muitas pedras no caminho, em 1991, conclui o primeiro grau e lancei-me numa nova aventura: mudar de colégio e cursar o 2º grau. Queria ser professora e desde pequena sonhava com essa possibilidade.

Autora: Meyre Anne sampaio Moreira

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O Tempo do Aprender a Ensinar: o magistério


“Ensinar é uma tarefa mágica, capaz de
mudar a cabeça das pessoas, bem diferente
de apenas dar aulas”.

Rubem Alves


Aos dezesseis anos, ingressei no 2º grau – hoje conhecido como Ensino Médio, no Colégio Pedro Calmon. Optei por cursar o Magistério, atendendo à minha vocação e meu desejo pela docência. Foram três anos de muito estudo e dedicação, porém, naquele tempo, o curso de Magistério tinha uma característica tecnicista e a relação teoria-prática era bastante contraditória. Dava-se mais ênfase e importância ao material que deveria ser utilizado – flanelógrafo, quadro de pregas, murais belíssimos e etc., do que as estratégias e métodos de ensino, porque a visão e a compreensão daquela época eram de que as categorias materiais constituíam-se no elemento determinante para a aprendizagem. O ensino era decoreba e fomentado pela repetição mecânica. Dessa forma, o curso de Magistério de outrora não nos preparava para o ofício de ser professor.

Em Amargosa, nossa grade curricular era um pouco diferenciada das grades curriculares dos municípios circunvizinhos, era composta por 17 disciplinas, o que nos obrigava a estudar nos turnos matutino e vespertino em alguns dias da semana. As professoras eram rigorosas e exigentes, entretanto, de acordo com relatos de colegas da minha fase adulta, acredito que o ensino oferecido em Amargosa, naquela época, comparado com muitos municípios das redondezas, tinha mais qualidade.

Em dezembro de 1994 conclui o Magistério e a vontade de poder continuar os meus estudos era muito grande, mas em Amargosa ainda não havia faculdade. Assim, em setembro de 1995, retornei à cidade de Itaberaba para prestar vestibular pela primeira vez, sendo aprovada e ingressando na faculdade em março de 1996.

Autora: Meyre Anne Sampaio Moreira

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A Caminhada Acadêmica: da graduação à pós-graduação


“A vida está cheia de desafios que, se aproveitados
de forma criativa, transformam-se em
grandes oportunidades”.

Marxwell Maltz


O ingresso no curso de Pedagogia da UNEB, em 1996, foi também o início da construção de minha carreira docente. Lecionei por um ano em uma escola particular e, posteriormente, em 1998, fiz concurso, passei e fui logo nomeada para ensinar numa turma de 2ª série com crianças entre a faixa etária de 8 a 10 anos.

Como docente, na escola Viriato Sampaio – Itaberaba, Bahia – aprendi que o saber-fazer é o que nos legitima como professor diante dos alunos e das alunas, bem como da comunidade escolar. Entretanto, esse saber-fazer não é constituído apenas pelos estudos, pelo conhecimento profundo da teoria e pela conquista de títulos acadêmicos. O saber-fazer se constitui, também, pela nossa compreensão e inserção política e cultural em diversos espaços educativos.

Durante os oito semestres da minha graduação participei de vários encontros estudantis, oficinas pedagógicas e seminários temáticos; expandi minha rede de relacionamentos, aprendi a fazer pesquisa e a organizar eventos; trabalhei com crianças, adolescentes e idosos. Enfim, as experiências proporcionadas pela graduação foi um marco na minha formação acadêmica, profissional e política.

Concluí minha graduação em Pedagogia, com habilitação em Magistério das Matérias Pedagógicas do 2º Grau, em dezembro de 1999. Já em 2000, iniciei minha primeira especialização “Lato Sensu” em Filosofia, Estudos Culturais e Pesquisa em Educação, pela UNEB, concluindo em 2002. Em 2009, iniciei outra especialização, também, pela UNEB, dessa vez na modalidade a distância, tendo concluído em agosto de 2010. Neste mesmo ano, fui aprovada na seleção de mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional, como aluna especial da disciplina “Tecnologia da informação e Gestão do Conhecimento”. Eu queria ter uma idéia de como era cursar um mestrado antes de tentar uma vaga como aluna regular e, essa experiência como aluna especial, proporcionou-me realizar uma reflexão da minha vida acadêmica, pessoal e profissional, o que me levou a concluir que o conhecimento só tem significado quando vemos a sua aplicabilidade, quer dizer, o que faço com o meu conhecimento é o que me diferencia.

Autora: Meyre Anne sampaio Moreira

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Meu ingresso ao NEJA


“A vida não é um corredor reto e tranqüilo que nós
percorremos livres e sem empecilhos, mas um
labirinto de passagens, pelas quais nós
devemos procurar nossos caminhos
perdidos e confusos, de vez em
quando presos em um beco
sem saída”.

A. J. Cronin


Ainda morava em Itaberaba, quando em fevereiro de 2006, próximo ao início do ano letivo, ganhei uma bolsa de estudos em Londres. O objetivo era passar 1 ano na Inglaterra, no entanto, fiquei apenas seis meses, porque a saudade do meu pai, da família e dos amigos era grande demais. Assim, tomada por um sentimento maior que a minha obstinação, voltei para ficar, pois aqui é meu lugar.

Devo confessar que aquele lugar é lindo e encantador e, os três primeiros meses foram de deslumbramento, alegria e felicidade, porém, a partir do quarto mês vieram as lágrimas, as angústias, a saudade e, por fim, o sofrimento de está tão longe das pessoas, por mim, tão amadas. Retornei ao Brasil no final de agosto e, logo em seguida, fui convidada a integrar a equipe de supervisão do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Salvador.

Atuei como Supervisora do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado por quatro meses, em 15 municípios: Angical, Brejolândia, Caetité, Campo Alegre, Catolândia, Guanambi, Ibipitanga, Lagoa Real, Pilão Arcado, Pindaí, Palmeiras, Remanso, Riachão das Neves, Seabra e Urandi. Minha primeira preocupação, enquanto supervisora, foi o de criar um ambiente acolhedor aos alfabetizadores que atuavam no Programa, para que os mesmos pudessem se sentir bem comigo, com os colegas e consigo mesmo. O objetivo era conquistar a confiança deles, deixando-os à vontade para relatarem de forma crítica e sincera como estava sendo a aceitação e o desenvolvimento do Programa em seus municípios. Não queria meros espectadores, então, procurei estimulá-los dando-lhes abertura para que expressassem suas idéias, fizessem questionamentos, promovessem discussões, compartilhassem experiências e relatassem fatos; participando assim, de forma ativa, crítica e inquiridora, tornando nossos encontros mais produtivos.

Eu realizava visitas às classes e observava o comportamento dos alfabetizandos e a atuação do alfabetizador. Os alfabetizandos, em sua grande maioria, deixam transparecer uma enorme vontade de aprender a ler e escrever. Para muitos, essa vontade era um sonho de criança que não pôde ser concretizado por diversos fatores impostos por uma vida sofrida. Infelizmente a escola compete – e, na maioria das vezes perde – com a fome, a necessidade de trabalhar, o cansaço físico e mental, entre tantas outras situações. Ainda assim, a força de vontade daquelas pessoas que não tiveram assegurado o direito à educação quando crianças/jovens e, por conta disso não foram alfabetizadas, era maior que as muitas dificuldades enfrentadas por elas diariamente. Eram homens e mulheres, que muitas vezes saiam de casa sem nada comer, que caminhavam uma, duas léguas no escuro rumo à escola. Eram pais, mães, avôs e avós que atravessavam o rio numa pequena canoa durante 40 minutos ou 1 hora, levando seus filhos e netos nessa perigosa aventura, porque não tinham com quem deixá-las, movidos pelo desejo de aprender, de saber mais. Eram jovens, adultos e idosos que enfrentavam os desafios de uma vida difícil à qual foram submetidos, ávidos pelo saber letrado que nunca puderam ter.

Em muitas visitas, me emocionei com os relatos e declarações dessas pessoas e, em duas situações angustiantes para mim, não pude conter o pranto ao ouvir depoimentos fortes e marcantes. Depoimentos esses, que me fizeram sentir um aperto no peito, um sentimento de impotência diante daquelas pessoas humildes e sofredoras, cidadãos possuidores de um vasto conhecimento, adquirido ao longo de tantos anos; sábios dentro da sua cultura, mas que viviam à margem da sociedade, excluídos por não pertencerem ao mundo das "letras". Contudo, ali estavam eles, confiantes e cheios de expectativas, buscando realizar o sonho de um dia poder dominar as habilidades de ler e escrever.

Ainda durante as visitas às classes, também, observava o quanto essas pessoas eram participativas quando estimuladas pelo alfabetizador. Tive a oportunidade de visitar algumas classes que se encontravam lotadas e outras que, lamentavelmente, havia apenas um ou dois alfabetizandos. Não coloco como uma regra, mas percebi e constatei que a freqüência dos alfabetizandos estava fortemente ligada à competência e ao desempenho do alfabetizador.

As classes que se encontravam cheias, eram de alfabetizadores que desenvolviam atividades interessantes e dinâmicas. As classes com apenas um, três ou cinco alfabetizandos tinham como alfabetizadores, pessoas tímidas, desmotivadas e despreparadas, o que obviamente, ocasionava uma evasão em massa.

A proposta do Programa era muito boa: garantir à população não alfabetizada, tanto do meio rural quanto do meio urbano, o direito à alfabetização, proporcionando não apenas a aprendizagem do ler, escrever e contar, como também as ferramentas de análise e reflexão sobre a realidade, respeitando-se as diversidades locais e culturais. No entanto, alguns entraves dificultavam o bom desenvolvimento do mesmo em muitos municípios, principalmente, as questões políticas.

Em maio de 2007, foi lançado um novo Programa de Governo que substituiria o AJA Bahia. O Programa TOPA – Todos pela Alfabetização/Brasil Alfabetizado tem por objetivo promover uma educação Integral e de qualidade para a população de jovens, adultos e idosos, assegurando seu ingresso e permanência na escola, garantindo-lhes as oportunidades necessárias à apropriação da leitura e da escrita e, criando as condições objetivas para a sua intervenção na realidade social na qual estão inseridos. As propostas de ambos os programas eram muito parecidas, porém, o TOPA foi concebido visando metas bastante ousadas, como por exemplo, alfabetizar em quatro anos 1 milhão de pessoas.

Em Janeiro de 2008, fui convidado pela Coordenação Colegiada do NEJA para atuar como Coordenadora Pedagógica do Programa TOPA, função que exerço até hoje.

Entre 2008 e 2009, também atuei como formadora nos cursos de formação inicial para capacitação de alfabetizadores e coordenadores de turmas que atuavam no Programa. A formação inicial é a etapa que antecede o exercício da prática pedagógica, tendo como objetivo mais amplo aquele de toda a formação, possibilitar ao alfabetizador o desenvolvimento das capacidades relativas à docência numa classe de alfabetização de jovens e adultos.

A formação inicial para o Programa TOPA é organizada pela equipe pedagógica do NEJA, tendo como referências o Plano de Trabalho da UNEB e o Plano Pedagógico da Alfabetização (PPAlfa) apresentado pela SEC à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação (MEC) para a realização do Programa Todos pela Alfabetização / Brasil Alfabetizado.

Além dessa rica experiência em atuar como formadora, o NEJA possibilitou-me ainda, construir conhecimentos relativos a uma estruturação de logística para atender às demandas de um Programa tão abrangente, como é o Brasil Alfabetizado: desde os contatos telefônicos para negociar serviços de transporte, alimentação e hospedagem, passando pelo controle e elaboração de planilhas de pagamento de pessoas envolvidas no processo de formação, até a elaboração de relatórios parciais e finais e, o mais relevante, o aprofundamento dos conhecimentos sobre a EJA, bem como a participação em eventos voltados para a Educação de Jovens e Adultos.

Autora: Meyre Anne sampaio Moreira
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Meu trabalho é uma aventura!


Quantas vezes parei pra pensar onde errei, onde acertei,
que caminhos deveria ter percorrido, quais
os que tropecei, qual deles me alegrou mais.
Tantas perguntas, tão poucas respostas.
O tempo passa...


Ao assumi a Supervisão do Programa AJA Bahia/Brasil Alfabetizado - 3ª Etapa, em setembro de 2006, fiz minha primeira viagem para acompanhamento das ações do programa desenvolvidas nos municípios. Meu cronograma de viagem teve como primeiro município a ser visitado, Campo Alegre de Lourdes – divisa com o Piauí.

Campo Alegre de Lourdes fica a 630 km da capital baiana, entretanto, o percurso feito de ônibus é bastante demorado, em média 14 horas de viagem.

Faziam parte das atribuições de um Supervisor do Programa AJA Bahia/Brasil Alfabetizado, encontros formativos com os alfabetizadores e orientadores pedagógicos, além de visitas às classes de alfabetização.

Campo Alegre de Lourdes é uma cidade pequena, mas cheia de encantos e, seus habitantes são hospitaleiros e muito simpáticos. Recordo-me que na época era um dos melhores municípios para se trabalhar e onde obtivemos os melhores resultados do Programa.

Minha aventura em Campo Alegre de Lourdes teve início na minha segunda viagem ao município, em novembro de 2006.



Quem tem medo de chuva?

Naquele fim de tarde, começava a chuviscar novamente e o carro que nos levaria a zona rural do município, nada de aparecer.

Estávamos no Hotel em Campo Alegre, eu e as duas orientadoras pedagógicas do referido município. Havíamos marcado para sair cedo, por volta das 16h, por causa da distância. Eram 60 km de estrada de chão cheia de buracos. Ficamos esperando o carro da Secretaria de Educação por cerca de uma hora. Naquela noite, viveríamos uma “aventura” incrível.

A todo momento, uma das meninas saía para ver se o carro apontava, mas nada de carro. Os minutos passavam e todas nós entediadas e ansiosas pela chegada do carro, estávamos inquietas. Ana Célia e Edinéia contavam casos de sua infância e eu me divertia bastante com as histórias. Por volta das 17h, ouvimos um barulho de carro se aproximando. Era o tão esperado motorista que nos levaria para visitar algumas classes do programa. Seu nome é Sr. Adailton, uma pessoa muito simpática.

_ Gente! Desculpe a demora, aconteceu um imprevisto! Depressa! Vamos logo! Disse ele.

E fomos nós, a caminho de mais uma jornada de trabalho. Visitar às classes da zona rural.

Havia chovido sem parar, há dois dias, e as ruas se encontravam cheias de poças d’água. Quis saber se havia riscos de atolarmos e a resposta que obtive foi negativa. Uma vez que, segundo as meninas e o próprio motorista, a estrada era quase toda de cascalho. Fiquei tranqüila, mas depois de uns 35 km entramos numa outra estrada. Essa era muito estreita – mais parecia uma trilha – e estava completamente alagada em determinados trechos. Havia poças de água semelhantes a uma enorme piscina, devido as suas enormes dimensões. Eu orava baixinho toda vez que íamos atravessar uma delas.

Com muito cuidado, Sr. Adailton conduzia o veículo – demonstrando muita habilidade – pelas gigantescas áreas alagadas pelas águas das chuvas.

Foram muitas e muitas as poças pelas quais passamos, mas conseguimos. Chegamos ilesos à primeira escola, lá na Lagoa da Onça. Fizemos a visita à classe, conversamos com os alfabetizandos, observamos seus cadernos e atividades, fotografamos o ambiente e etc. Foi muito gratificante, pois a classe se encontrava lotada às 19h15min, no meio do mato e sem energia elétrica. Partimos para visitar à segunda classe há uns 15 km dali. Como havíamos passado por aquele caminho, momentos atrás, relaxei um pouco e tentei preencher minha mente apenas com pensamentos positivos. Funcionou! Chegamos “rapidinho” à outra escola.



Depois de conversamos um pouco com os alunos e assistir um pedacinho da aula, seguimos viagem em busca da terceira classe a ser visitada aquela noite. Estávamos satisfeitos com a participação dos alfabetizandos e do desenvolvimento do trabalho dos alfabetizadores. Então, começamos a conversar e dar muitas risadas. Sr. Adailton relembrou casos de assombração da sua época de juventude e eu me divertia bastante com suas histórias, quando de repente... ATOLAMOS!

Sim, isso mesmo! Num pequeno momento de descuido, atolamos. Sr. Adailton bem que tentou sair de todas as formas, mas tudo o que conseguimos foi afundar mais e mais, porque a terra estava muito mole. O chão estava escorregadio e havia poças de lama por toda parte. O silêncio pairava no ar, e não demorou muito, ouvi a minha própria voz falar:

_ Vamos meninas! Temos que tentar sair daqui.

Descemos do carro e começamos a empurrá-lo com todas as forças, mas era inútil. Naquele momento precisávamos de muitos outros braços – fortes de preferência.

Cansadas, desistimos! Edinéia (que estava a meu lado) olhou adiante e com a voz trêmula, disse-me:

_ Ai Meyre! Não tem jeito! Temos que procurar ajuda!

Olhei a frente e tudo o que vi foi a noite escura e fria. As trevas reinavam sempre que o motorista desligava os faróis do carro. Imaginei a distância que nos encontrávamos daquele local até o povoado de Malhadas, onde estava a próxima classe a ser visitada e decidi fazer companhia ao motorista. Assim, Ana Célia e Edinéia seguiram em frente sumindo na escuridão, que as devorou vorazmente.

Então, aproximei-me do carro e comecei a conversar com Sr. Adailton. Já me via dormindo dentro do carro, ouvindo o barulho da chuva caindo lá fora. Passados uns 30 minutos, pude enxergar ao longe algumas luzes bem fraquinhas. Os alunos de Malhadas vieram nos ajudar, graças a Deus!. Eram mais ou menos uns oito homens e tiveram trabalho para tirar o carro da lama. Foi um alívio! Agradecemos a todos e seguimos em frente. Passamos rapidamente por Malhada, mas não havia mais aulas para observarmos e dadas as nossas condições físicas (exaustas e completamente cobertas de lama) o melhor era voltar para a cidade.

Chegamos a Campo Alegre por volta das 00h e 30min. Não tinha fome, tudo o que eu desejava era um bom banho e uma boa noite de sono.

Chegando a Campo Alegre de Lourdes
Essa foi apenas uma das muitas aventuras que vivi enquanto Supervisora do Aja Bahia. Mas confesso, que apesar dos contratempos e dificuldades que enfrentei fiquei muito contente e realizada com o trabalho, pois sou uma apaixonada pela Educação. Sempre desejei amadurecer mais minhas idéias, crescer profissionalmente e enxergar as coisas como realmente elas são, mas, sem perder a ESPERANÇA!



Postado em 13 de setembro de 2010